Capitalismo pop: A influência do city pop japonês na cultura de consumo

Beatriz Valentim
5 min readDec 28, 2022

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Imagem: Sabukaru Online

É indispensável afirmar que o contexto político, seja ele social ou econômico, muda toda a estrutura de uma sociedade, fazendo até mesmo grandes revoluções socioculturais. Seja no cinema, na TV e também claro, na música.
E no Japão não poderia ter sido diferente. Desde sua derrota histórica na 2° Guerra Mundial, após o ataque de Pearl Harbor, o país tem sido bem esforçado em sua reconstrução de um conflito que lhe deixou terríveis sequelas. E para sair desse infortúnio, a única saída foi realizar um acordo com os norte-americanos, que além de pagar impostos como uma maneira de indenizar os ataques cometidos, o território também teria de ser ocupado por eles como uma forma de garantia de sua passividade e por fim impedir a disseminação chinesa e soviética no país, além do antiamericanismo que era presente. Um modo de “controle” para que nenhuma revolução fosse acontecer, visto que o território possuía laços com países comunistas como China, Coreia e Vietnã.

Em viés de todo esse domínio norte-americano, o Japão então teve seu chamado "Milagre Econômico", popularmente chamado de "milagre econômico japonês", no qual como próprio nome já sugere, faz a economia japonesa prosperar como um milagre, graças aos investimentos daquele país sobre o Japão.

Em 1965, o PIB nominal do Japão foi estimado em pouco mais de US $ 91 bilhões. Quinze anos depois, em 1980, o PIB nominal subiu para um recorde de US $ 1, 065 trilhões (JOHNSON, Chalmers). E em meio dessa prosperidade, houve inúmeras viradas culturais, principalmente inspiradas no ocidente e no meio de tanta coisa surgiu o City Pop, gênero musical que se tornou popular na época.

Surgido no final da década de 1970, em meio da época de ouro, ele possui raízes no Jazz Americano, Groove e Funk, oriundos da forte influência dos EUA sobre o país, resultando o que foi pode-se descrever não do que era o Japão daquela época, e sim o Japão que queria mostrar a sua população. Um verdadeiro American Way Life estilo japonês. Era o período da chamada “Bolha Econômica".

Imagem: Capa de um álbum da cantora Kikuchi Momoko

As letras do City Pop não só descrevem os prazeres do "boom" econômico, mas também a falsa alusão de como era a vida na cidade. Acompanhadas de batidas alegres e vibrantes, se gabavam da satisfação social, regozijo financeiro, festas noturnas, consumismo, e tudo mais. Prazeres que só o sistema econômico capitalista ocidental seria capaz de trazer, ignorando qualquer traço de sua identidade, que agora outra havia tomado seu lugar. E com bastante incentivo da burguesia local, que até então havia se encantado com as maravilhas que os norte-americanos seriam capazes de entregar.
Nenhum tipo de problema social era abordado, pelo contrário, eram mascarados, visto que os americanos dominavam de forma severa o país. Direitos trabalhistas eram escassos, sindicatos eram cassados e todo tipo de manifestação ou protesto eram hostilizados e proibidos.

Sua estética é o que suas letras abordam, ambientes urbanos, geralmente noturnos, grandes prédios, carros luxuosos, dias ensolarados, pôr-do-sol em estilo neon, cores vibrantes. Explora-se muito a ideia do “futuro". Acreditava-se que o Japão era o país do futuro, por conta de seus créditos financeiros dados e incentivo às tecnologias.

Imagem: Hiroshi Nagai

Dentre as tecnologias se destaca a criação do walkman, jogos, computadores, diversos outros tipos de eletrônicos.

Propaganda de Computadores da Sony dos anos 80
Propaganda do Walkman da Sony em 1984

Porém, esse período de ascensão econômica chegou ao fim na década de 90, e por conseguinte, a explosão do City Pop também foi enfraquecida, sua bolha foi então estourada. Em meio de uma crise seria impossível cantar os gozos de uma vida consumista.

A partir disso, é inegável não poder citar como a ascensão capitalista e a dominação ocidental pode utilizar a música, além de outros meios culturais não citados nesse texto como um estímulo, massificação e introdução de uma cultura dominante sob outra, e como as identidades são perdidas em razão disso. Isso é puro reflexo da globalização, ou algo que Giddens diria ser a Ocidentalização.

O City Pop carregava em arranjos sempre alegres, cativantes como maneira de demonstrar o bem-estar social promovido pelo capital, mostrado muitas vezes em suas letras. A música na sociedade está diretamente relacionada à produção de poder e conflito (NETO, Manoel J de Souza), já que esse estilo foi fortificado depois da dominação americana no país e estimulado até chegar seu fim. Sendo assim, ele teve um papel fundamental na guerra fria como uma poderosa arma contra a ideologia soviética na guerra fria. Marx poderia descrever isso como "instrumento de comunicação de massas", pois existe ali o promotor dessa ideia, o influenciador, dono de todo aquele poder, que por coincidência ou não, dono também do modo de produção, onde vende a sua imagem para as populações demais, que "alienada" (no sentido em que Marx descrevia) acaba comprando esse estilo de vida. E com isso, conclui-se como o Estado, detentor de um certo poder tem sobre indivíduos mais fragilizados. Seguindo a lógica de Marx, podemos citar a dialética que ocorre entre eles. Sendo descrita geneticamente, existe uma oposição, contradição entre dois indivíduos. Nesse caso, entre Estados Unidos e Japão. Onde o primeiro encarregado de tanto poder foi capaz de assumir uma nova identidade sob outro, a fim do benefício próprio.

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