Luz de Inverno (1963)

Beatriz Valentim
4 min readMay 23, 2024

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Winter Light (1963) de Ingmar Bergman

“Abram seus corações para Deus e recebam sua bênção.”

Na vastidão de um universo governado pelo grotesco e vil, podemos, através da fé, transcender a constante batalha humana? Carregamos em nossos corações a esperança de que nossos sacrifícios serão recompensados no ocaso da vida, onde a morte, em seu enigma, talvez nos revele a tão almejada redenção.

O corpo e Sangue

Contudo, o caos que nos cerca frequentemente se infiltra em nosso ser. A dúvida, essa sombra persistente, persegue-nos, e o mal tenta arraigar-se em nossas entranhas. Clamamos por alívio nesse vale de lágrimas, suplicando o término do desassossego que nos consome.

No silêncio ensurdecedor da ausência divina, sentimos o flagelo da solidão e o abandono. "Luz de Inverno" (1963) de Ingmar Bergman personifica essa agonia. A narrativa segue um padre atormentado pela crise de fé, cujas interações apenas acentuam seu desespero. Em diálogo com um fiel, devastado pela guerra e pelo terror nuclear iminente, a dúvida sobre a benevolência de Deus emerge: poderia o Criador permitir a autodestruição de sua própria obra?

O padre também enfrenta suas tragédias pessoais: a morte de seu amor e a paixão não correspondida de uma devota que sofre de uma enfermidade física. "Por que devo sofrer tanto por minha insignificância?" é como um grito que ecoa, refletindo a nossa própria busca por sentido em meio à dor.

Ao fim, Bergman nos remete ao sofrimento de Cristo, que não foi apenas corporal, mas também espiritual. Abandonado, traído e humilhado, Jesus carregou o fardo de todos os pecados. Seu martírio é um espelho da agonia dos personagens do filme, e de nós mesmos.

Davi, em seus momentos de maior aflição, clamava a Deus, expressando tanto sua dor quanto sua fé.

“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" (Salmos 22:1)”

– uma exclamativa que Jesus, na cruz, também pronunciou, revelando que até os mais devotos enfrentam a sensação de abandono.

“É tão opressivo e Deus parece tão distante.”

O silêncio de Deus ressoa como o tique-taque incessante de um relógio. Nem mesmo Seu Filho foi poupado desse silêncio. Se Jesus, na sua crucificação, experimentou o abandono, quem somos nós para não sentir o mesmo em nossas jornadas?

Nossa natureza humana tende a se inclinar para o vil, alimentando a crença de que fomos deixados à deriva. Essa tendência tenta nos afastar do sagrado, e ao nos rendermos a essa tentação, distanciamos-nos do que é verdadeiramente importante.

Deus é bondade absoluta e o homem é o réprobo miserável condenado à danação eterna e só recupera ele mediante a graça divina. (PESSANHA, 1996, p. 20).

Durante as três horas de crucificação, Deus não pôde comungar com Jesus, pois Ele, sendo Santo, não podia tocar os pecados que Jesus carregava. Naquela cruz, Cristo tomou sobre si todos os pecados da humanidade, ensinando-nos o peso de nossas ações e a ilusão do abandono.

“Ele mesmo levou em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, a fim de que morrêssemos para os pecados e vivêssemos para a justiça; por suas feridas vocês foram curados." (1 Pedro 2:24).

Sentir-se abandonado é um tormento comum; todos nós enfrentamos esse questionamento. Ao confrontarmos nosso lado mais sombrio, frequentemente perdemos a esperança.

“Deus está silencioso.”

Mas devemos recordar que Jesus também conheceu esse sentimento e, ainda assim, entregou-se à vontade do Pai. Assim como Tomas, mesmo após tantas angústias, retomou seu serviço na missa.

Assim também como as cartas de São Paulo no Novo Testamento, que nos oferecem um vislumbre da perseverança na fé. Em meio a suas tribulações, ele manteve-se firme, encorajando as primeiras comunidades cristãs a resistirem.

“Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza" (2 Coríntios 12:9).”

Nossas fraquezas, então, tornam-se oportunidades para experimentar a graça de maneiras profundas e significativas.

PESSANHA, João. Confissões. São Paulo: Editora Nova Cultural do Livro, 1996.

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